Writing, Flying and Huevos Revueltos

October 24, 2005

Culpa do poeta japonês

Cada vez que encontro um brasileiro recém-chegado, vem logo à tona a pergunta fatídica “De onde vc é?”. Depois desta, a segunda pergunta fatídica é : “Porque saiu do Brasil?” por mais incrível que pareça, eu acho muito difícil de responder todas as duas. Acho que não tenho apegos com nada, e dizer que sou do Rio, ou do estado do Rio, ou de Barra Mansa, ou de Três Rios me parece sempre uma mentira. Em todo caso, eu sempre me identifiquei mais com Salvador, e por uma destas maravilhas que não sei explicar, se na conversa eu cito o nome da Bahia ou de Salvador, o outro vai logo exclamar “Eu sabia que vc era baiana!”. Mais não sou, juro!.

Saí do Brasil por causa de um poema de um japonês chamado Matsuó Basho, que viveu por volta de 1660. Culpa do poeta japonês e de um jornalista gaúcho que se chama Eduardo Bueno, que nunca conheci, mas que foi colocar o dito poema no livro Alma Beat, o que selou o meu destino pois li o livro e três frases do poema ficaram martelando na minha cabeça : Luas e sois são viajadantes da eternidade. Os anos que vêm e que vão são viajantes também. Os espíritos do caminho me fizeram inúmeros sinais, e eu descobri que não podia mais continuar trabalhando e tinha que partir.

Antes de ler o tal poeminha, eu já tinha ido p/os EUA duas vezes de férias. Nesta época, alguns amigos meus foram morar na europa. Trabalhando no Banco do Brasil, eu estava profissionalmente descontente porque a minha ambição era desenvolver um trabalho com artes; mas a verdadeira razão é que eu sempre gostei de viajar, conhecer outros povos, outras culturas, sempre fui curiosa por tudo. Decidi que sairia do país já desde os 6 anos de idade porque na época alguém me disse que na Inglaterra existia galinha de duas cabeças e eu sempre quiz ver isso de perto. Acho que nasci com a personalidade de uma cidadã do mundo mesmo se a educação que me deu uma base e que ajudou a formar a minha identidade foi uma educação brasileira. Eu vivo muito bem em Montreal, como viveria no México porque estousempre lá e adoro o povo e a cultura; da mesma forma que vivi em Salvador, como viveria muito bem em Londres. Mas não gosto de viver em Paris, só passear, como também não gosto de viver em Niterói, como não gostaria de viver em Toronto ou Atlanta.

Um dia eu olhei ao redor e vi que nada do que eu vivia me interessava. Foi aí que li o poema e logo soube que ele estava me falando, foi uma certeza absoluta pois senti que os espíritos do caminho me faziam realmente inúmeros sinais. Aí eu pedi a minha demissão e peguei um avião p/ Orlando. De lá, vim passar o natal em Montreal e o passeio que deveria durar só 15 dias, dura até hoje. Esqueci meus planos de morar e estudar na Austrália e fui ficando por aqui, conhecendo o mundo, fiz faculdade de Artes Visuais e mestrado em Comunicações, obtive várias subvenções do Conselho das Artes do Canadá e do Quebec e de outros orgãos governamentais para desenvolver pesquizas com artes e novas tecnologias.

Aí me perguntam se gosto daqui e eu falo da tranqüilidade e segurança (poder andar sózinha no meio da rua à qualquer hora do dia ou da noite sem me preocupar), diversidade cultural, fácil acesso à cultura e educação, objetividade, pragmatismo. De neve caindo, das cores do outono, da beleza da primavera. Dos meus amigos.

Falo também do que é mais difícil de encarar, como os sete meses de frio (três daria p/encarar numa boa), do pouco senso de civilidade da população, da introspecção das pessoas, da xenofobia que não é exagerada mas escondida atrás desta mania de dizer que tudo que é melhor, coisas e gente, vem de "chez nous", ou a expressão "de souche", que são conceitos descaradamentes racistas como por dizer que a origem é melhor porque "puramente" quebequense, o que me irrita um pouco. Tamém gosto menos do individualismo que pode também ser uma coisa muito boa, dependendo do contexto. Sou também muito crítica em relação à repressão e ridiculização da sensualidade feminina no dia à dia.

Do Brasil, sinto saudada do bom humor diário, do interesse das pessoas por outros povos e culturas, da abertura de espírito, da inteligência, da civilidade, da riqueza cultural, da espontainedade, do humanismo e dinamismo, da faculdade de improvisação, de cocada, de acarajé, de muito sorriso, de sensualidade, de conversa de ponto de ônibus, de fofocar no salão de beleza, de ser chamada de meu amor ou minha flor sem malícia, de forró, de ficar de papo furado na sala de espera do dentista ou do médico ou na fila do banco.

E, das coisas que me ajudaram à decidir de ficar aqui, daquelas que não gosto no Brasil, estão a violência, a insegurança, o machismo/misogenia, a ignorância das classes abastadas. Os resquícios da escravidão, como por exemplo, abuso de poder e petulância com pessoas que estão em posição desvantajosa, considerar trabalho manual degradante e falta de respeito endêmica por empregados domésticos. A superficialidade, falta de cultura e presunção de uma certa burguesia que passa o tempo se divertindo e assistindo televisão. O ufanismo. A mania de julgar os outros pelas aparências. O complexo de inferioridade perante o estrangeiro. A zoada futebolística dominical -ainda bem que o maridão não é disso, cruz credo!-. Tenho também a mais completa incapacidade de respeitar gente que chega atrasada à um compromisso, pior ainda se é profissional, está riscado da minha agenda à não ser que tenha uma boa explicação ou que seja um gênio. Ah, ia esquecendo, e o pedantismo de certos intelectuais que usam e abusam de um linguajar arcaico, a velha mania de falar difícil e não dizer nada.

K.S.
WINGS – WRITING, FLYING AND HUEVOS REVUELTOS
http://montrealswinds.blogspot.com/

6 comments:

  1. Oi, K! Que legal vc ter me achado por acaso :D

    Adorei esse seu post e vc disse tudo nos
    últimos 3 parágrafos. É assim mesmo...

    abração!
    Zana

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  2. kal, sou um desleixado culpado e "con" por não deixar + tempo a minha marca aí no teu blog. sou um cara leal, tu me conhece, e muito pri, mas lendo sobre nossos amores passados, eu tinha que te mandar um oi como manda o figurino, cheio de saudades e como dizem aí, "zambo"? Grandes beijos tremendos.

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  3. Caramba Gunt, quanto tempo...e a Tê? vc está escrevendo port. muito bem mesmo. também tô com saudades.Enviarei um e-mail depois.um beijão em todos.
    K.

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  4. Great site loved it alot, will come back and visit again.
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  5. Super color scheme, I like it! Good job. Go on.
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Un peu de retenu, SVP! LOL :))