Writing, Flying and Huevos Revueltos

June 01, 2007

Paul Valéry e A Jovem Parca (La Jeune Parque)

Conjunto de esculturas em "ciment fondu" e ferro.
Imagens, tradução, textos Copyright©k.s. design, 2005. All rights reserved.

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“Nada pode nos seduzir... que não seja ou pré-existente em nosso ser ou secretament esperado por nossa natureza ».

«O escritor verdadeiro é um homem que não encontra as suas palavras. Então, ele as procura. E procurando, ele encontra melhor ».


Um dia chuvoso lá fora e aqui dentro está quieto, cheio daquela tranquilidade que facilita a concentração para se trabalhar num projeto difícil ou enfim, trabalhar com afinco em coisas que pedem uma interiorização particular. Penso logo em Paul Valéry. Além de poeta, ele foi ensaísta e pesquisador no campo das idéias; interessou-se em geral pelas artes e ciências, notamente pela Arquitetura, Filosofia, Teoria Literária, Música, Dança, Matemática, Geometria, Física e se fixou a tarefa de refletir sobre o funcionamento do espírito. Escritor, pensador, poeta da sensualidade e do rigor intelectual, estudioso das ciências exatas, sua linguagem artística era associadas à linguagem das ciências mas ledo engano o de vcs que imaginam textos frios e sem alma. É exatamente o contrário.

Espírito dotado de uma corajosa e prolífera curiosidade pelas formas diversas e pelas linguagens possíveis, vida, arte e ciências, para Valéry, estavam intrisicamente associadas à uma dinâmica da observação, tal qual uma meditação irreligiosa vivida no rigor de um observador infatigável.
Aos 22 anos, ele chega à conclusão que o que chamaria de Método de Leonardo da Vinci -"mestre de seus meios, este possuidor do desenho, das imagens, do cálculo, tinha encontrado a atitude central a partir da qual as empresas do conhecimento e as operações da arte são igualmente possíveis, as trocas felizes entre a análise e os atos singularmente prováveis: pensamento maravilhosamente excitante"-, seria para ele o encontro com o conhecimento verdadeiro e com a sua liberdade como artista e como ser humano.
Para Valéry, a criação não é simplesmente um instrumento de expressão mas um compromisso existencial.

Através do arquiteto Eupalinos, ele deixou esta frase de profunda sabedoria:Nada pode nos seduzir... que não seja ou pré-existente em nosso ser ou secretament esperado por nossa natureza ».

Na noite do 4 para o 5 de outubro de 1892, Paul Valèry passou por uma grave crise existencial, aonde ele decidiu repudiar os ídolos da literatura, do amor e da imprecisão para se consagrar ao que chamou de «A vida do espírito»:
«Destruí os meus encantos. Procurei o rigor porque a naturalidade não me interessa».

À partir daí, diariamente, ao nascer do dia, ele irá observar seu processo criativo notando em vários diários todas as suas reflexões e dirá mais tarde: «tendo consagrado horas à vida espiritual, eu me sinto no direito de ser besta o resto do dia ». Ele se fixa então, o trabalho de refletir sobre o funcionamento do espírito e dirá mais tarde que esta noite foi a sua verdadeira origem. Durante mais de vinte anos, ele pára então de escrever e se consagra ao que chama de « o conhecimento de si mesmo e do mundo », continuando a preencher seus diários, publicados depois da sua morte com o título de Cahiers.

A Jovem Parca, poema de 512 versos que levou 4 anos para ser finalizado, considerado por muitos como o mais importante texto da lingua francesa do século XX, será sua obra primeira depois destes vinte anos de silêncio como escritor.

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A Jovem Parca foi uma das minhas obsessões no passado e que se transformou no passar dos anos em textos, imagens, escrituras diversas traduzidas em trabalhos com vídeo, música, esculturas, gravuras e enfim multimídia. Meu livro que eu chamo A Velha Parca, está cansado, rasgado, cheio de anotações e tenho ainda por ele este amor irriquieto que me perseguiu até que eu o colocasse na estante depois de tantas obras produzidas, jamais finalizadas. A questão que me ronda ainda não conseguiu se calar. Ele, o livro, me preocupava. E isso porque eu ainda não tinha descoberto o resto. O resto, esse amálgama sem fim de idéias anotadas, de gritos e meditações em versos e prosa, anotações curtas e intarissáveis que rasgam folhas e folhas de livros nas bibliotecas. A obsessão agora se deformou, tomou novas proporções, ela se encantou, deixou talvez de ser obsessão para ser justo uma idéia, a de amar estas idéias, de admirá-las, de, no silêncio, compartilhá-las.

Luta entre a vida e a morte, escrito na primeira pessoa, o poema é uma alegoria da oposição entre consciência e inconsciência, uma luta do absoluto da inteligência lúcida contra o instinto e a sensualidade através de um jogo ordenado de imagens e de sonoridades, constituindo assim, segundo o que Valéry irá várias vezes designar, uma composição musical à partes variadas.


Extratos de La Jeune Parque (Traduzido por K.):

"O céu formou ele este amontoado de maravilhas
Para a morada de uma serpente?"

Pierre Corneille


Quem chora lá, senão o vento simples, à esta hora
Única, com diamantes extremos?... Mas quem chora,
Tão perto de mim-mesma no momento de chorar?

[...]

Sou sózinha com vocês, trêmula, tendo deixado
Minha cama; e no perigo mordida pela maravilha,
Interrogo meu coração qual dor desperta-o,
Qual crime por mim mesma ou que eu soube consumir?...
... Ou se o mal me segue de um sonho fechado
Quando (ao veludo do sopro perdido o ouro das lâmpadas)
Tenho de meus braços espessos cercado minhas têmporas,
E muito tempo a minha alma esperado os relâmpagos?
Toda? Mas toda à mim, senhora das minhas carnes,
Endurecendo de um estremecimento a sua estranha extensão,
e nos meus doces laços, ao meu sangue suspenso,
Eu me via, sinuosa, e dourava
De olhares em olhares, minhas profundas florestas.

Eu seguia uma serpente que acabava de me morder.

[…]

Mas eu tremia de perder uma dor divina!
Eu beijava na mão esta mordida fina,
E não sabia mais de meu antigo corpo
Insensível, apenas um fogo que ardia nas minhas margens:

Adeus, pensava eu, EU, mortal irmã, mentira...

Harmoniosa EU, diferente de um sonho,
Mulher flexível e firme aos silêncios seguidos
De atos puros!... Têmpora límpida, e de ondas roubadas
[...]
Diga!... Eu era a igual e a esposa do dia,

[...]

Lamento à metade esta vã potência...
Uma com o desejo, fui a obediência
Eminente, presa à estes joelhos delicados;
De movimentos tão rápidos os meus desejos eram preenchidos
Que eu sentia a minha causa apenas um pouco mais ágil!
[...]
Entre a rosa e eu vejo-a que se protege;
Sobre o pó que dança, ela desliza e não irrita
Nenhuma folhagem, mas passa, e quebra-se por toda a parte...
Desliza! Barca fúnebre...

E eu viva, de pé,
Sólida, e do meu vazio secretamente armada,
Mas, como pelo amor uma face ardente,
E a narina colada ao vento da laranjeira,
Dou ao dia apenas um olhar distante...
[...]
Penso, na beira dorada do universo,
A este gosto de morrer que toma a Pitonisa

[...]

Aonde vai ele, sem responder a sua própria ignorância,
Este corpo na noite negra espantado de sua fé?
Terra turva, e misturada à alga, carrega-me!

Carrega docemente eu... minha fraqueza de neve

Terra turva, e misturada à alga, carrega-me!

[...]
Misteriosa EU, no entanto, vives ainda!
Vais te reconhecer ao levantar da aurora
Amargamente a mesma...
Um espelho do mar
Se levanta... E sobre o lábio, um sorriso de ontem
Que anuncia com aborrecimento o apagar dos sinais,
Já gela no oriente as pálidas linhas
De luz e de pedra, e a cheia prisão
Onde flutuará o anel do único horizonte...
Olhe: um braço muito puro é visto, que se desnuda.
Eu te revejo, meu braço... Portas a aurora...

[...]

Devagar, eis-me: o meu fronte toca a este consentimento...
Este corpo, eu o perdôo, e saboreio a cinza.
Entrego-me inteira à felicidade de descer,
Aberta às escuras testemunhas, os braços supliciados,
Entre palavras sem fim, sem mim, balbuciadas.
Dorme, minha sabedoria, dorme. Forma esta ausência;
Volta ao germe e a assombrada inocência,
Abandona-te viva às serpentes, aos tesouros.
Dorme sempre! Desce, dorme sempre! Desce, dorme, dorme!

(A porta baixa é um anel... onde o véu
Passa... Tudo morre, tudo ri na garganta que fala...
O pássaro bebe na tua boca e não podes vê-lo...
Vem mais baixo, fala baixo... O escuro não é tão escuro...)

[...]