Writing, Flying and Huevos Revueltos

June 27, 2007

Festival de Jazz de Montreal








O final de semana, a gente foi comer no Baton Rouge (p/ os carnívoros, a melhor côte levée, de Montreal) e aproveitamos p/ dar uma olhada na preparação do Festival de Jazz, que é em frente. Amanhã é a grande abertura, com Carlinhos Brown e 15 outros músicos num "carnaval brésilien".

June 17, 2007

ONTEM, 16 DE JUNHO, o dia do meu aniversário

Para começar, logo no dia do meu aniversário, eu dei de cara 2 vezes com o Win Butler, do Arcade Fire!! No Mile End, o bairro aonde eu faço yoga. Mas ontem eu só estava planando com meu marido, olhando o tempo lindo q estava fazendo, depois de ter ido no Café Itália tomar o melhor capuccino e comer o melhor sanduíche de Montreal. Para quem não conhece os costumes de países frios: quando faz sol, todo mundo sai p/ as calçadas, andando, planando, tomando sol nos bancos públicos, nas escadas, sentados mesmo nas calçadas, ou nos jardins e parques. Bom, como sempre, o 16 de junho é o dia mais quente do ano (rsos). Mas é mesmo. Se não foi quente até ali, não vai ser mais. Este de 2007 foi um dia magnífico mesmo, minha gente, cheio de sol, e a Saint Laurent estava fechada com a festa de trottoir (na noite anterior ficamos até tarde no La Cabane. Bom, enfim, o pessoal estava uma marailha de contentamento e de bom humor. Verão é assim mesmo em país frio.

Mas sobre os músicos do Arcade Fire, não dá nem p/ contar como eu fiquei boba prq todo mundo q me conhece sabe q eu sou vidrada neles; até fiquei chateada prq eu estava no Brasil em janeiro qdo deram um show, às escondidas, no subsolo da igreja polonesa do Mile End (o povo do bairro sabia). Então fica claro q um dos meus presentes, ontem, foi ter dado de cara com o Win. No meu aniversário! E isso prq o rapaz é um grande poeta e eu tenho uma admiração enorme pela música deles, do Arcade Fire.

O menino, ele é realmente um menino, q eu trato carinhosamente de meu pequeno e grande Win (de perto ele é enorme!) estava tomando sol, sentado num banco, sózinho, pensando na vida e olhando o tempo... Por coincidência, ele estava no meu banco, aonde eu fico sempre tomando sol tbém.

Que coisa linda é morar em Montreal, né?! Digam-me se existe um outro lugar do mundo, uma grande cidade, aonde um artista como ele, um poeta tão completo, e cantor divino, com aquela voz cheia de emoção e profunda, poderia ficar assim sentado num dia ensolarado tomando sol sem ninguém p/ vir encher o saco do coitado com pedido de autógrafo e fotos?! Foi por isso q eu fiquei com vergonha de incomodar a tranquilidade do cara. Além de achar o cúmulo da cafonice esta idolatria de personalidades públicas! Mas, mesmo assim fiquei pensando: se eu peço um autógrafo, vai encher de gente e vão todos encher o saco dele tbém e acabou-se o seu banho de sol... Aí, eu passei devagarinho por ele, fingindo q não tava com vontade de ir lá me aprochegar... (logo de cara eu nem falei p/ o meu marido ao lado q aquele magrelo lá era o Win Butler... p/ não chamar atenção, ou de vergonha, de apreensão... sei lá, não falei na hora, mas falei qdo ele passou na segunda vez) e ficamos passeando até q eu esqueci dele por completo. Sabem como é geminiano.
Depois, fizemos uma porção de coisas, conversamos com algumas pessoas, olhamos lojas e vitrine e atravessamos a rua p sentarmos na quadra ao lado, ainda na Saint Viateur, num banco em frente daquela boutique de bombons q eu esqueci o nome. Tomando sol, de repente vejo o cara vindo na nossa direção, e de novo a minha consciência entra naquele dilema do autógrafo e da vergonha ("fazer o quê com uma assinatura, q cafonice! Eu sei, mas.... e a foto?! Fazer o quê com uma foto ao lado de um poeta q eu admiro!? Que cafonice!... droga de consciência!"). E ele passou na minha frente... discplicente, calmo, charmoso, magrelo, altíssimo, bonito, bebendo um refrigerante, e olhou p/ nós (eu achei q foi p mim - vocês conhecem geminiano, né? é tudo a mesma raça... mesmo depois de velhos). Bom, deixem isso p lá. E pensem na letra de "caminhando contra o vento, sem lenço e sem documento, tomando uma coca-cola... "; parecia isso mesmo.). Pois é, imaginem a vontade de pedir uma foto com ele!? Mas eu sou boba mesmo e não fiz nada , só fiquei olhando o cara aproveitar aquele dia magnífico e se perder no meio do povo.

Mas as minhas reticências, explica-se: depois q eu dei de cara com o Roy Dupuis entrando na padaria do meu bairro -e ele ficou todo envergonhado e eu tbém-, eu penso 2 vezes antes de invadir o território de alguém. Soooouuuu boooooba messssmoooo...

(Ser geminiano é, se a gente não leva na esportiva, e só de vez em quando, uma praga. Vivo dando esse tipo de furo. Um dia, há tempos, eu fui no Fofounes Electriques numa exposição Internacional de BD. E naqueles dias, eu via sempre o Dany Laferrière na televisão. Para quem não sabe, ele é um escritor -e eu já dei de cara com ele até dentro do ônibus 144, avenue des Pins! e quase ia lá contar p ele esta história do nosso passado, mas felizmente eu me retive. Mas isso é outra história...-.
Naquelas últimas semanas e para o pouco de televisão q eu via, eu dava de cara com o escritor o tempo todo na telinha. Realmente o tempo todo. E acabei incorporando a imagem do homem no meu subconsciente, como se ele fizesse parte da minha vida. Mais!... muito mais. Como se ele morasse comigo na minha casa! E sobretudo numa hora tão íntima como o ritual de fazer o jantar. ----imagino q todo mundo q dá entrevistas procurando um público, deixa sempre uma imagem estudada de si mesmo, a melhor possível; então, de acordo com o real objetivo destas entrevistas q invadiam a minha casa nos meus pequenos momentos de descanso q eu procurava ligando a televisão enquanto fazia a janta, eu já estava cativa! Ele se transformou assim em um outro EU idealizado, omnipresente, culto, charmoso, quase perfeito, o q eu queria ser naqueles dias em que chegava cansada da creche, carregando a minha filha nos braços depois de ter enfrentado um dia de transportes públicos e correrias, indo preparar o jantar, olhando a televisão como uma autômata. Resultado: acabei admirando a vida e a obra do personagem, sem mesmo ter lido uma única linha dos seus escritos!----- (Existe um filme baseado numa das obras deste escritor:"Como fazer amor com um negro sem se cansar". Podem rir. Mas é interessante, não é pornô não). Afinal, um exemplo típico de lavagem cerebral!

Bom, lá no Foufones, eu chego no local e enquanto espero pelo Alex q não aparecia, visito a exposição. Depois de visitar tudo -adorei muitas coisas que agora não me recordo o quê-, descendo uma escada e vejo, lá de cima, o escritor lá embaixo conversando com um outro alguém de quem não guardei a mínima lembrança (acho mesmo q nem olhei p o personagem em questão). Aí, eu fiquei mesmo feliz. Toda contente, dei um gritinho de satisfação prq vi um rosto "mais do q conhecido" no meio daquele mundaréu internacional; um rosto q era quase o meu de tão próximo e q repetia depois de semanas, através de uma personalidade charmosa, palavras q eu admirava. O centro do mundo, ele, através do meu olhar embasbacado! Aí, eu desço as escadas, chego perto e corto a conversa do escritor com o outro, toda excitada. Dei dois beijinhos no Dany Laferrière sem mesmo dar tempo ao cara de se surpreender, perguntando como ele estava, como estava sua vida, sua família, etc., assim mesmo, cheínha de intimidades. A coisa estava meio nebulada na minha memória; eu não me lembrava de onde conhecia aquele rosto tão admirado, com aquela voz tão conhecida, mas sabia q conhecia, e muito! E fiquei lá, como se fôssemos conhecidos, assim naturalmente, sem nenhuma afetação ou desespero. Pelas imagens q me vêm hoje em dia, acho até que coloquei as duas mãos nos ombros dele, dei dois beijinhos segurando o pescoço do escritor com um carinho todo especial... Conversei, falei rapidamente de mim. E ele, um doce, né?! Participando do jogo, perguntava e respondia. Super educado, com aquele sorriso tímido de surpresa, aceitando a minha intimidade natural.
Mas, eis q de repente, como sempe acontece na vida, tomo consciência -ou pela falta de continuação no assunto ou porquê li na cara dele a estupefação- que em realidade eu não conheçia o homem! Minha nossa! Foi assim, um "plaf", na minha cara! Fiquei atônita. Imagino que deve ser isso q experimenta uma pessoa q acorda, depois de uma noite de bebedeiras, sem saber aonde está. Ficou no ar aquele silêncio. E o sorriso tímido do escritor, no canto dos lábios. Sem graça. Olhei p/ ele e, pela primeira vez, para o outro personagem lá parado, esperando. Aí, declarei séria, envergonhada: -"Olha, eu não te conheço.". Ele ainda deu um sorrisinho sem graça, quase silencioso. Educado, ele. -"É.", acho q ele completou. -"Vc me desculpa...", continuei, saindo de fininho.
E fui. Sem olhar p trás).

Agora, voltando p/ o dia de ontem, o 16 de junho 2007, a cidade "polula" de festas. Mas foi tranquilo, a gente só queria mesmo ficar no sol e vendo a felicidade do povo. Vimos alguns amigos, rimos, cantamos parabéns p/ mim. À noite fomos em família no Rumi, um dos meus restaurantes preferidos de Montreal e que tem um chef que é um verdadeiro artista.

Mas agora estou cansando. Deixa p outro momento o contar.


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June 04, 2007

...porque sem asas ninguém vive.

Tem gente que tem cachorro, gato, passarinho. Eu tenho árvore. Não tem nada mais que faça tanta parte de mim quanto as árvores, os cavalos e os lobos. Gosto, mas não pode me pertencer nem depender de mim. Gosto da liberdade e p/ mim estes são os 3 seres que carregam este conceito neste mundo. Fora deles, existe o vento e a água, que não são seres p/ a maioria das pessoas, mas são p/ algumas; pode parecer loucura. Em realidade, eles todos fazem parte de um conceito maior. Eles e as asas, porque sem asas ninguém vive.

Aprendi q a gente sempre se decepciona qdo vive na espera. Espera é besteira. Coisa válida é o momento que se apresenta p a gente olhar ele no temporal do infinito q vai se abrandando. E assim a gente vai ficando forte. De tanto ver instante.

Li alguém falando q tem gente que tem cheiro de passarinho quando canta. Eu, grávida, sentia o cheiro da alma das pessoas! Coisa estranha prq é meio incompreensível, mas é verdade. Já vi muita coisa estranha na vida mesmo. Pensamento então... nem se fala!
Um dia, eu andando na rua, um homem de terno e gravata, bem arrumado, aprumado, cabelo cortado, parecia limpo, com uma pasta na mão, veio na minha direção, assim como várias outras pessoas andando p aqui e p lá no meio da vida. Mas de longe eu já senti o fedor que se exalava dele e q foi a coisa mais terrível q eu senti na vida.
Virei p/ o outro lado e vomitei no chão qdo ele passou por mim. Uma porção de coisa, parece, saiu com o vômito do cheiro, tanto q eu fiquei até fraca me segurando no poste, com medo de cair no chão e aquela sensação que tudo dentro de mim tinha se rebelado. Não me lembro de mais nada dele, só o horror do fedor.

Minha filha qdo nasceu, deixou dentro da casa um perfume inebriante mesmo, perfume tão bom que durou muito tempo no ar.
Era um perfume de flores, de saudade perfumada de amanhecer, de reconforto de cama quente e limpa, de tranquilidade de fio fino de chuva ondulando na janela. De vez em quando o perfume ia ficando mais forte; outras, diminuía. Às vezes, até parecia q ia morrendo. Aí a gente esquecia dele, mas depois, em uma hora qualquer, o perfume voltava, tão tranquilo e firme como antes. Qdo ela tinha 4 meses, nós mudamos de casa. Depois, eu não me lembro. Mas ela sempre teve um perfume que não é do corpo, mas coisa de alma de gente serena, assim como ela é.

E a alma dos q me rodeiam é tão suave e perfumada q eu respiro esse cheiro de coisa boa e paz o tempo todo. Constato que tenho à minha volta gente perfumada lá de dentro deles e de mim, graças à Deus a minha existência é floral, tipo jardim inglês, selvagem, puro, límpido.
Aonde tem, como em todo lugar, as suas ervas daninhas; mas elas não são nada ao lado do q é bom na minha vida perfumada. Elas são é até muito úteis prq eu aprendo à observar a dor e ver q dor é escolha. Cortar o q não é bom, mesmo se dói. Dor.
Dor sempre passa.

Mas q a vida é perigosa, lá isso ela é.

Qdo minha filha tinha 4 anos, ela me pegou pela mão e me levou até o banheiro. Abriu a privada e me disse: - mãe, abre a gavetinha da tua cabeça e joga o q causa dor lá dentro. Aí eu fiz, curiosa. Ela então pegou e deu descarga. E eu fiquei assim, abismada, vendo o ser q a Existência me deu p/ tomar conta.
Como então não ter reverência por um ser como este?

Já vi muita sabedoria na vida, assim como fantasmas, alegrias, pôr de sois, sombras obscuras e gente fantasiada, mas o q eu gosto muito é da sabedoria dela. Nunca vi tanto amor habitar um ser.


(Este texto foi publicado em 1996 pelo Jornal de Criação Literária da Universidade de Montreal).
Copyright©k.s. design, 1995. All rights reserved



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June 01, 2007

Paul Valéry e A Jovem Parca (La Jeune Parque)

Conjunto de esculturas em "ciment fondu" e ferro.
Imagens, tradução, textos Copyright©k.s. design, 2005. All rights reserved.

reserved.




“Nada pode nos seduzir... que não seja ou pré-existente em nosso ser ou secretament esperado por nossa natureza ».

«O escritor verdadeiro é um homem que não encontra as suas palavras. Então, ele as procura. E procurando, ele encontra melhor ».


Um dia chuvoso lá fora e aqui dentro está quieto, cheio daquela tranquilidade que facilita a concentração para se trabalhar num projeto difícil ou enfim, trabalhar com afinco em coisas que pedem uma interiorização particular. Penso logo em Paul Valéry. Além de poeta, ele foi ensaísta e pesquisador no campo das idéias; interessou-se em geral pelas artes e ciências, notamente pela Arquitetura, Filosofia, Teoria Literária, Música, Dança, Matemática, Geometria, Física e se fixou a tarefa de refletir sobre o funcionamento do espírito. Escritor, pensador, poeta da sensualidade e do rigor intelectual, estudioso das ciências exatas, sua linguagem artística era associadas à linguagem das ciências mas ledo engano o de vcs que imaginam textos frios e sem alma. É exatamente o contrário.

Espírito dotado de uma corajosa e prolífera curiosidade pelas formas diversas e pelas linguagens possíveis, vida, arte e ciências, para Valéry, estavam intrisicamente associadas à uma dinâmica da observação, tal qual uma meditação irreligiosa vivida no rigor de um observador infatigável.
Aos 22 anos, ele chega à conclusão que o que chamaria de Método de Leonardo da Vinci -"mestre de seus meios, este possuidor do desenho, das imagens, do cálculo, tinha encontrado a atitude central a partir da qual as empresas do conhecimento e as operações da arte são igualmente possíveis, as trocas felizes entre a análise e os atos singularmente prováveis: pensamento maravilhosamente excitante"-, seria para ele o encontro com o conhecimento verdadeiro e com a sua liberdade como artista e como ser humano.
Para Valéry, a criação não é simplesmente um instrumento de expressão mas um compromisso existencial.

Através do arquiteto Eupalinos, ele deixou esta frase de profunda sabedoria:Nada pode nos seduzir... que não seja ou pré-existente em nosso ser ou secretament esperado por nossa natureza ».

Na noite do 4 para o 5 de outubro de 1892, Paul Valèry passou por uma grave crise existencial, aonde ele decidiu repudiar os ídolos da literatura, do amor e da imprecisão para se consagrar ao que chamou de «A vida do espírito»:
«Destruí os meus encantos. Procurei o rigor porque a naturalidade não me interessa».

À partir daí, diariamente, ao nascer do dia, ele irá observar seu processo criativo notando em vários diários todas as suas reflexões e dirá mais tarde: «tendo consagrado horas à vida espiritual, eu me sinto no direito de ser besta o resto do dia ». Ele se fixa então, o trabalho de refletir sobre o funcionamento do espírito e dirá mais tarde que esta noite foi a sua verdadeira origem. Durante mais de vinte anos, ele pára então de escrever e se consagra ao que chama de « o conhecimento de si mesmo e do mundo », continuando a preencher seus diários, publicados depois da sua morte com o título de Cahiers.

A Jovem Parca, poema de 512 versos que levou 4 anos para ser finalizado, considerado por muitos como o mais importante texto da lingua francesa do século XX, será sua obra primeira depois destes vinte anos de silêncio como escritor.

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A Jovem Parca foi uma das minhas obsessões no passado e que se transformou no passar dos anos em textos, imagens, escrituras diversas traduzidas em trabalhos com vídeo, música, esculturas, gravuras e enfim multimídia. Meu livro que eu chamo A Velha Parca, está cansado, rasgado, cheio de anotações e tenho ainda por ele este amor irriquieto que me perseguiu até que eu o colocasse na estante depois de tantas obras produzidas, jamais finalizadas. A questão que me ronda ainda não conseguiu se calar. Ele, o livro, me preocupava. E isso porque eu ainda não tinha descoberto o resto. O resto, esse amálgama sem fim de idéias anotadas, de gritos e meditações em versos e prosa, anotações curtas e intarissáveis que rasgam folhas e folhas de livros nas bibliotecas. A obsessão agora se deformou, tomou novas proporções, ela se encantou, deixou talvez de ser obsessão para ser justo uma idéia, a de amar estas idéias, de admirá-las, de, no silêncio, compartilhá-las.

Luta entre a vida e a morte, escrito na primeira pessoa, o poema é uma alegoria da oposição entre consciência e inconsciência, uma luta do absoluto da inteligência lúcida contra o instinto e a sensualidade através de um jogo ordenado de imagens e de sonoridades, constituindo assim, segundo o que Valéry irá várias vezes designar, uma composição musical à partes variadas.


Extratos de La Jeune Parque (Traduzido por K.):

"O céu formou ele este amontoado de maravilhas
Para a morada de uma serpente?"

Pierre Corneille


Quem chora lá, senão o vento simples, à esta hora
Única, com diamantes extremos?... Mas quem chora,
Tão perto de mim-mesma no momento de chorar?

[...]

Sou sózinha com vocês, trêmula, tendo deixado
Minha cama; e no perigo mordida pela maravilha,
Interrogo meu coração qual dor desperta-o,
Qual crime por mim mesma ou que eu soube consumir?...
... Ou se o mal me segue de um sonho fechado
Quando (ao veludo do sopro perdido o ouro das lâmpadas)
Tenho de meus braços espessos cercado minhas têmporas,
E muito tempo a minha alma esperado os relâmpagos?
Toda? Mas toda à mim, senhora das minhas carnes,
Endurecendo de um estremecimento a sua estranha extensão,
e nos meus doces laços, ao meu sangue suspenso,
Eu me via, sinuosa, e dourava
De olhares em olhares, minhas profundas florestas.

Eu seguia uma serpente que acabava de me morder.

[…]

Mas eu tremia de perder uma dor divina!
Eu beijava na mão esta mordida fina,
E não sabia mais de meu antigo corpo
Insensível, apenas um fogo que ardia nas minhas margens:

Adeus, pensava eu, EU, mortal irmã, mentira...

Harmoniosa EU, diferente de um sonho,
Mulher flexível e firme aos silêncios seguidos
De atos puros!... Têmpora límpida, e de ondas roubadas
[...]
Diga!... Eu era a igual e a esposa do dia,

[...]

Lamento à metade esta vã potência...
Uma com o desejo, fui a obediência
Eminente, presa à estes joelhos delicados;
De movimentos tão rápidos os meus desejos eram preenchidos
Que eu sentia a minha causa apenas um pouco mais ágil!
[...]
Entre a rosa e eu vejo-a que se protege;
Sobre o pó que dança, ela desliza e não irrita
Nenhuma folhagem, mas passa, e quebra-se por toda a parte...
Desliza! Barca fúnebre...

E eu viva, de pé,
Sólida, e do meu vazio secretamente armada,
Mas, como pelo amor uma face ardente,
E a narina colada ao vento da laranjeira,
Dou ao dia apenas um olhar distante...
[...]
Penso, na beira dorada do universo,
A este gosto de morrer que toma a Pitonisa

[...]

Aonde vai ele, sem responder a sua própria ignorância,
Este corpo na noite negra espantado de sua fé?
Terra turva, e misturada à alga, carrega-me!

Carrega docemente eu... minha fraqueza de neve

Terra turva, e misturada à alga, carrega-me!

[...]
Misteriosa EU, no entanto, vives ainda!
Vais te reconhecer ao levantar da aurora
Amargamente a mesma...
Um espelho do mar
Se levanta... E sobre o lábio, um sorriso de ontem
Que anuncia com aborrecimento o apagar dos sinais,
Já gela no oriente as pálidas linhas
De luz e de pedra, e a cheia prisão
Onde flutuará o anel do único horizonte...
Olhe: um braço muito puro é visto, que se desnuda.
Eu te revejo, meu braço... Portas a aurora...

[...]

Devagar, eis-me: o meu fronte toca a este consentimento...
Este corpo, eu o perdôo, e saboreio a cinza.
Entrego-me inteira à felicidade de descer,
Aberta às escuras testemunhas, os braços supliciados,
Entre palavras sem fim, sem mim, balbuciadas.
Dorme, minha sabedoria, dorme. Forma esta ausência;
Volta ao germe e a assombrada inocência,
Abandona-te viva às serpentes, aos tesouros.
Dorme sempre! Desce, dorme sempre! Desce, dorme, dorme!

(A porta baixa é um anel... onde o véu
Passa... Tudo morre, tudo ri na garganta que fala...
O pássaro bebe na tua boca e não podes vê-lo...
Vem mais baixo, fala baixo... O escuro não é tão escuro...)

[...]