Writing, Flying and Huevos Revueltos

November 27, 2005

Comentário à uma parte da reflexão da Pat

Não creio que homens e mulheres sejam fundamentalmente diferentes. O ser humano tem comportamento muito idêntico em determinados contextos e o contexto aonde um ser é considerado inferior gera sempre um desequilíbrio cujo efeito dominó cresce à ponto que a raiz do problema é ignorada. Estou dizendo isso para explicar que eu não tenho certeza que, se as mulheres tivessem vivido num mundo aonde elas se acreditassem superiores depois de séculos -com todo espaço para abusos que essa mentalidade permite-, elas também não seriam agressoras.

Acho que existe também muita fúria nas mulheres, mas que toma uma forma de auto-destruição (?)... sera que é verdade? Algo me incomoda nisso, eu acho que nao é tao simples; existem também mulheres brutais (estar em estado considerado inferior e ser tratada como tal é totalmente destruidor).

Quero dizer também que não acredito que a raça humana seja formada de duas raças. Existem, e muito, homens maravilhosos, tranquilos, compreensivos, com uma forte dose de humanismo. Mas sou totalmente de acordo que toda escravagem é uma doença infecta, e as mulheres a maior parte da historia da humanidade tal como a conhecemos, em estado de submissao, em diferentes graus segundo épocas e sociedades. Por isso posso desculpar certos atos cometidos em estado de escravagem porque foram a forma do indivíduo oprimido sobreviver.

Acho que virilidade pode existir tanto em homens quanto em mulheres, assim como um homem pode também ser feminino sem ser homosexual. Conheci mulheres forte e homens cheios de ternura e dengo, homosexuais ou heteros. Eu acho que não existe esse negócio de catalogar os sexos dando características próprias como se fosse uma peculiaridade; o ser humano é complexo. Mas gosto de dizer: um ser considerado inferior cria uma forma de escravagem e a escravagem é uma doença, no final das contas tanto para o “senhor” quanto para o ‘escravo’.

Acho que todo mundo pode ser seduzido pela virilidade, não só a masculina.  Admiro a virilidade e a feminilidade, gosto de gente dengosa, sedutora e feminina tanto quanto pessoas virils. Tenho um amigo que é só ternura. Sempre foi. Ele não é gay, mas é de um dengo tão gostoso que me dá um prazer muito grande de vê-lo, de ouvir sua voz, seus gestos. E ele tem uma lista interminável de mulheres apaixonadas fazendo a fila na sua porta, embora seja bem casado e um cara bem honesto.

A deusa Atenas é uma das minhas figuras mitológicas preferidas, como é também Marte, deus da guerra. Segundo a astrologia, eu tenho a Lua na primeira casa e parece que isso em astrologia diz que tenho o espírito guerreiro, e eu adoro essa coisa! E muito embora eu nao goste de lutas. Mas sou atraída pelo espírito desbravador, que aspira conquistas do que é novo e desconhecido. Acho que quando somos atraídos pela virilidade é por estas qualidades que somos atraídos. Entao, quando a gente fala em viril, ja imagina uma barba! Quem disse que mulher nao poe ser viril e feminina? Essa idéia subentende de forma rampante e escondida que uma pessoa que tem característica feminina não pode ser empreendedora, dinâmica, forte, guerreira, desbravadora, independente, creativa, etc e tal.  Papo furado! e o primeiro passo para nós que pedimos igualdade é começar a parar de acreditar nisso.

Uma mulher pode ser feminina, dengosa, cheia de ternura e ter todas estas qualidades. Como um homem também.
Depende saber o que é realmente o tal do poder feminino. Seria realmente a essência da alma das mulheres? Esta essência seria superior à essência masculina? Existe realmente uma essência masculina ou feminina? Não sei, mas isso iria contra a minha crença/ esperança de que o ser humano possa um dia viver num mundo egalitário. Egalitário e sem pretensão à uma superioridade qualquer de um ou outro indivíduo, mesmo se referindo aos animais.  Por isso concordo que a idolatria do masculino freia a evolução da raça humana, em todos os sentidos. Toda idolatria é involução, mesmo de um pretenso poder feminino superior.

Acho que o problema é o desconhecimento, o medo, a falta de compaixão, a falta de empatia. Certas pessoas, frutos do medo, cultivam a ignorância machista por ter virado escravos de seus próprios mecanismos de defesa; eles nao podem pensar porque estao ocupados em se defender. Acho que, em pequenas ou grandes doses, existe um machismo na grande maioria das pessoas, por simples falta de interesse. Nao tem nada complicado, mas tem muita falta de interesse.

A sociedade humana é aleijada e não só de uma parte, mas das duas, porque são as mulheres que vivem mais intimamente com as crianças. E estas crianças aprendem, antes de tudo por mimetismo, a considerar o ser que lhes deu vida, e na maioria dos casos o ser que deu amor em primeiro lugar, como um ser inferior. Quer dizer, a sua matriz é doente e imperfeita! Logo, vc será pior do que ela porque um simples produto de toda esta imperfeição. É claro, isso está na maioria das vezes inconsciente e sorrateiro, mas de forma sutil toda a nossa cultura envia esta mensagem diariamente e automaticamente.

Com o passar dos séculos, a mulher foi ficando mais forte, tanto biologicamente como psicologicamente, por causa desta luta constante. Ela aprendeu a sobreviver num meio hostil. Mas a humanidade desconhece o que é uma verdadeira mulher, como a humanidade desconhece o que é um verdadeiro homem. Quer dizer, um ser com todas as sua capacidades livres e autônomas, de se exprimir e viver livremente, de construir, de criar, de amar. Simplesmente porque as mulheres nunca puderam se expressar na maioria das sociedades e diferentes épocas da história humana. A verdadeira mulher está nascendo agora, tranquilamente. E se deus quizer, o verdadeiro homem nascerá junto com ela.


Para ele, as responsáveis da tragédia da sua vida, eram as mulheres, e pior ainda, as feministas

O texto bem mais à baixo, eu tinha escrito à partir de leituras e reflexões sobre a tragédia que aconteceu em 06 de dezembro de 1989 na Escola Politécnica de Montreal. Nesta data, eu estava na frente da televisão amamentando a minha filha quando quase morri de susto - meu marido era professor na Politécnica e ainda não tinha chegado em casa-. Eu assisti o drama, praticamente ao vivo, pela televisão. Só que ninguém entendia ainda que era um crime sexista, o número e a identidade das vítimas sendo ainda ignorados.
Semana passada soube da "Campanha de 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência Contra as Mulheres, criada pelo Centro Global para a Liderança da Mulher em 1991 e que inclui um conjunto de ações e manifestações públicas pelo fim da violência contra as mulheres. A data começa em 25 de novembro, dia proclamado pelas Nações Unidas como Dia Internacional pela Eliminação da Violência Contra a Mulher. O período também inclui outras datas significativas como o 6 de Dezembro, que marca o aniversário do Massacre de Montreal.
Lembrei-me que no Canadá, depois do massacre da Politécnica, 06 de dezembro foi escolhido para fortalecer a luta contraa violência sexista. Então decidi traduzir o texto p/ o francês e postar no dia 06. Mas aí a Pat deixou um comentário no meu blog sobre o meu post do dia 25, e eu fui lá dar uma olhada no blog dela e encontrei este texto que traduz uma das coisas que eu queria dizer enquanto escrevia. Então decidi de colocar o meu texto aí em baixo em português, e que é uma parte da minha opinião sobre certos atos sexistas masculinos.
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Depois dos anos 60, as mulheres do estado do Quebeque, no Canadá, têm ocupado importantes cargos profissionais e estudos em áreas tradicionalmente ocupadas por homens. Nas décadas de 70 e 80, houve um aumento considerável do número de mulheres inscritas na Escola Politécnica, o núcleo de engenharia da Universidade de Montréal. Infelizmente, alguns homens se sentiram prejudicados com os novos papéis e oportunidades que as mulheres conseguiram alcançar em todos estes anos. Um destes homens era Marc Lépine, um rapaz de 25 anos com uma história de violência familiar na qual ele e sua mãe eram as vítimas do pai.

Lépine tinha procurado se juntar às forças armadas canadenses, mas foi rejeitado. Tinha estudado também para a admissão na Escola Politécnica, mas não foi aceito -- responsabilizando as políticas de ações positivas promovidas por feministas e simpatizantes. No dia 6 de dezembro de 1989, ele entrou na Politécnica e matou 14 mulheres jovens, e feriu gravemente 13 outras. Todas estudantes em engenharia. Depois, ele se matou, deixando uma nota de suicídio na qual constava uma virulenta mostra de seu ódio às mulheres.

De fato, ele não odiava as mulheres, mas detestava a idéia que elas estivessem deixando de ser, na vida real, o que ele esperava que elas fossem. Desiludido com todo o espaço que elas estavam ocupando na sociedade, furioso porque elas não podiam mais corresponder com a imagem que ele tinha se fabricado do que “deveria ser uma mulher”.

Lépine, com este ato, radicalizou o comportamento controlador de alguns homens que se sentem ameaçados pelas realizações femininas e cujos atos descrevem exatamente o que Lépine sentia : ódio. Ódio porque eles estão perdendo o contrôle sobre a vida e o destino delas, não só das “suas” mulheres, mas das mulheres de forma geral. E quando eles não as matam, eles usam e abusam de toda forma de violência, mesmo as mais sutis, para tentar reter este contrôle.

O problema é que este tipo de homem aprendeu à ocupar um espaço social e existencial em função do contrôle que ele indiretamente tem sobre as mulheres. O verdadeiro contrôle se dá através dos jogos de poder resultantes da imagem de hegemonia que o elemento masculino alimenta dentro da sociedade, e que tem como resultado o reconhecimento social desta desigualdade, à saber, a pretendida superioridade masculina.
Ora, um belo dia este protótipo de homem acorda e descobre que a coisa não se passa mais assim. Ele começa a ficar nervoso e desamparado. Para acalmá-lo, as mulheres têm que mostrar submissão face ao pretenso poder superior de sua masculinidade.

Reconhecer que uma mulher é mais inteligente e capaz do que ele se julga, se transforma em algo terrível, e ele perde totalmente todo senso de identidade. Pior ainda é reconhecer que este ser que a sociedade deveria julgar inferior, segundo suas crenças, reussiu lá aonde ele não conseguiu. Aí, ele se sente pior que um vira-lata. Mas, é claro, a tragédia de Lépine é mais complicada porque tem o agravante da violência que ele e a mãe já sofriam do pai.