Writing, Flying and Huevos Revueltos

April 17, 2007

Terapia de Enxada

"Muito além de toda santidade, reina a inocência astuciosa e cruel das feras e dos loucos".
Anne Hébert, citado no romance Kamouraska

"A inocência e a beleza só têm como inimigo o tempo”.
William Butler Yeats


Minha amiga Bhumi tem lá pelos lados lindos da Bahia e ao redor da casa dela, um quintal enorme repleto de árvores frutíferas e grama. Ela de vez em quando chama o pessoal p fazer terapia de enxada. O necessitado pega na enxada e começa a capinar e vai capinando a raiva q tá no peito e q tá envenenando a alma; capina, capina, capina até ir aliviando o corpo, a alma, o coração. E vai limpando o quintal.

Na falta de uma enxada e de um quintal p/ ficar capinando a raiva, escrever é uma ótima terapia.

A Lena me enviou este texto embaixo (... é, eu sei, estou só no copy/paste... hehehehe.... mas não tenho tempo, minha gente.....). Achei o texto legal mesmo, sobretudo prq já sofri esta situação na pele, não da mesma forma, mas da incompreensão e desprezo pelo esforço que a gente como mulher e como ser humano está continuamente fazendo. Imaginem algumas mulheres que, como eu, foram ao mesmo tempo ótimas mães/estudantes e ótimas profissionais?! E tudo isso num país novo p a gente, aprendendo a língua ao mesmo tempo em que se aprendia à ser mãe e esposa, estudar, trabalhar, se adaptar à realidade do país, do clima, da cultura, das pessoas, etc?! Foram anos maravilhosos!!! juro! Sempre tive uma energia danada, hoje eu vejo. E isso sem falar q eu sempre participei de exposições de arte e technologia, sempre mostrei meus trabalhos, sempre saí com amigos p/ dançar, me divertir; viajei bastante com minha filha, e ela conhece muitos países e fala 4 línguas prq eu insiti q ela aprendesse, sempre mostrei à ela várias razões p/ se orgulhar de si mesma e das pessoas q a rodeiam; levei-a p/ ver várias apresentações de meus trabalhos, inclusive na Europa, e ela pôde se orgulhar da mãe dela. Enfim, minha vida sempre foi dinâmica nestes anos, mesmo com uma criança pequena e muito trabalho!

Isso, sem nunca poder contar com ajuda de familiares, mas graças à Deus, de alguns amigos fiéis q eu guardo até hoje. E ainda trabalhei para levantar o dinheiro para p/ sustentar a casa e toda esta pesquisa de desenvolvimento humano! Mas o desabafo vem aqui, pois ouvi uma vez uma exclamação sorrateira de que eu "não fazia nada"! Imagino q por despeito, sómente prq não sou de ficar reclamando o dia todo da vida e dos problemas q surjem; não sou frustada ou 'deprimida' ou incompreendida, embora eu possa me revoltar de ouvir este tipo de coisa. Eu me assumo, assumo as minhas responsabilidades com prazer e sem cara amarrada. Detesto me ver como vítima e tenho horror de ser uma! Aliás, detesto o conceito de vítima. E ainda arrumo tempo para me exercitar fisicamente, ser bonita, ser feliz, ser amada, ter prazeres na vida, ter bons amigos, viajar bastante e ter uma vida cultural rica!
Pronto.

O texto é o seguinte:
"Uma mulher foi renovar a sua carteira de motorista. Pediram-lhe para informar qual era a sua profissão. Ela hesitou, sem saber bem como se classificar. O que eu pergunto é se tem um trabalho, insistiu o funcionário. Claro que tenho um trabalho, exclamou. Sou mãe. Nós não consideramos 'mãe' um trabalho. Vou colocar Dona de casa, disse o funcionário friamente.

Não voltei a lembrar-me desta história até o dia em que me encontrei em situação idêntica. A pessoa que me atendeu era obviamente uma funcionária de carreira. Qual é a sua ocupação? Perguntou. Não sei o que me fez dizer isto, as palavras simplesmente saltaram-meda boca para fora:

- Sou Doutora em Desenvolvimento Infantil e em Relações Humanas.

A funcionária fez uma pausa, caneta a apontar para o ar, olhou-me como quem não ouviu bem. Eu repeti pausadamente, enfatizando as palavras mais significativas. Então reparei, maravilhada, como ela ia escrevendo no questionário oficial. Posso perguntar, disse-me ela com novo interesse, o que faz exatamente? Calmamente, sem qualquer traço de agitação na voz, ouvi-me responder:
- Desenvolvo um programa a longo prazo (qualquer mãe faz isso), em laboratório e no campo experimental (normalmente eu teria dito dentro e fora de casa). Sou responsável por uma equipe (minha família), e já recebi quatro projetos (todas meninas). Trabalho em regime de dedicação exclusiva (alguma mulher discorda???), o grau de exigência é em nível de 14 horas por dia (para não dizer 24 horas).

Houve um crescente tom de respeito na voz da funcionária que acabou de preencher o formulário, levantou-se e pessoalmente foi abrir a porta para mim. Quando cheguei em casa, com o título da minha carreira erguido, fui recebida pela minha equipe: uma com 13 anos, outra com 7 e outra com 3. Do andar de cima, pude ouvir o meu novo experimento (um bebê de seis meses), testando uma nova tonalidade de voz".