Writing, Flying and Huevos Revueltos

October 21, 2005

Eu e a espada do Arcanjo

Até algumas semanas atrás eu ia, todas as sextas-feiras, na aula de Power Yoga, só que hoje decidi chegar uma hora antes e pegar a aula de Cardio. Adoro o professor, que é o mesmo p/ as duas classes, uma atrás da outra. Quer dizer, adorar é mais uma forma de se falar, porque o cara é meio especial, eu de verdade exagero muito na ênfase, tudo porque quero dizer que a aula dele é boa, eficiente e divertida. Até o ano passado, eu frequentava, depois de quase dois anos, um centro de Asthanga Yoga, p/ quem não sabe, a verdadeira Power Yoga. Mas como comecei a ter sérios problemas nos joelhos que me impedem de praticar Asthanga mais que 4 dias por semana, e pagando uma tarifinha exorbitante, preferi praticar a yoga menos acrobática, mais tranquila e mais artística do meu novo professor, que é igualmente eficaz e muito mais divertida. Quer dizer, no centro não tinha nada de divertido, e nem eu estava procurando diversão. Em todo caso, o Louis, professor das segunda e sexta-feiras do YMCA Parc, é especial; assim eu faço exercícios físicos e me divirto ao mesmo tempo que ouço músicas interessantes.

Saindo de lá, passei num café p/ tomar um chocolate quente e aconchegante p/ meu estômago quando dei de cara com alguns brasileiros conhecidos meus. Aí a giripoca começou a piar pela falta de paciência que tenho com a mania de alguns conterrâneos falarem mal do inverno, do país, do pentelho, da cueca e do sabonete aonde tá o pentelho. Mas isso não é razão p/ ficar de cara feia metendo pau no país. O pior é esta mania de comparar, procurando provar que o Canadá é ruim p/ confirmar que o Brasil é melhor. Parece até o Villenneuve explicando porque não ganhou a corrida. Não acho que tenha lugar melhor ou pior que outro, cada lugar tem as suas complexidades, exatamente como gente, como ser humano. Porque esta mania de reduzir tudo à conceitos minimalistas? Por exemplo, inverno é frio, e o frio às vezes pode chegar à -40 e mesmo -60 em janeiro. E tempestade de neve? É ruim p/ sair p/ trabalhar né?
Mas é também tão linda!

A primeira tempestade de neve da minha vida me encheu de emoção. Foi no natal de 1987 e eu estava saindo no meio da noite da casa de amigos que moravam perto da estação do metrô Villa-Maria, quando olhei ao longe e vi o mundo inteiro branco, transparente, com uma luz clara, firme, ultrapassando tudo, e não dava p/ dizer exatamente aonde começava o céu e aonde terminava esse mundaréu de neve jogado no mundo inteiro; a luz branca lindíssima dando sombra nas árvores, nos carros, na gente, nos postes, em tudo. Eu parei ali, observando, e comecei a chorar. Eu não tinha vivenciado, até então, uma situação que tivesse me dado a noção exata de quão grandiosa a natureza pode ser!

A outra vez foi num sábado, festa de aniversário de um amigo. A tempestade começou e não dava p/ pegar carro, taxi ou ônibus, a cidade inteira estava parada e eu sózinha em casa. Aí eu disse cá com meus botões que não dava p/perder uma festança daquelas por causa de uma tempestade de neve, sobretudo que a casa do meu amigo não era muito longe, ele morava na rua Berri perto da Marie-Anne, e eu na Chapleau perto da Sherbrook. Tinha só que atravessar o parque e andar um pouco mais. Fechei bem o meu casaco, enfiei na cabeça uma daquelas toucas que cobre até o nariz, luvas quentíssimas, cuecão de flanela, e saí andando pelas ruas, o vento me puxando p/ lá e p/ cá, eu que nem bêbada, caindo, levantando, limpando neve dos olhos, aquele montão de neve, eu não conseguindo me levantar... uma zona. Não vi mais ninguén na rua, eu estava só no meio daquele vento todo, da neve que batia com tanta força e peso que me doía o corpo, só ouvia o barulho do vento que parecia o mesmo destes filmes de horror, assobiando. Mas eu sou besta de perder a oportunidade de olhar p/ o mundo naquela hora? Não, que não sou, e olhei de olhos bem abertos e vi. Caindo, levantando e vendo, sem perder nada de toda esta beleza. Isso sim é vida, o resto é conversa fiada. E cheguei no parque La Fontaine. Como eu era a única pessoa na rua, isso me deixava triste um pouco porque eu estava sózinha e não tinha ninguém mais p/ poder compartilhar aquela visão. me dava vontade de ver alguém e perguntar: Vc tá vendo isso? A palavra certa é "magnífica". O mundo era de uma força, de uma selvageria tão plena, tão indisfarçável que a gente só podia olhar, participar e respeitar toda esta força.