Writing, Flying and Huevos Revueltos

March 15, 2006

Aniversários, Jung, Freud e a família

O final de fevereiro e começo de março é uma época muito importante p/ mim, pois é o aniversário de muita gente que eu gosto e amo. À todos vcs que não gostariam de ver seus nomes aqui em público, feliz aniversário.

É aniversário dos meus dois peixinhos de amor!!!! Eu amo vocês.
Na sexta-feira, 10 março, foi a festa de aniversário da minha amiga M., de quem eu gosto imensamente, sendo ela uma das raras pessoas que sempre me deu liberdade total de ser o que sou, desaparecendo ou me apresentando quando me dá na telha. Nós nos damos muito bem porque somos livres e independentes e nos respeitamos. E faz 19 anos que a relação dura, atravessando choros, doenças, filhos, maridos. E foi muito gostosa a festa de aniversário dela; muito bom ir e ver outros amigos, mais os amigos dela e curtir todos eles. Afinal, nós temos bom gosto.

Não dá e nem interessa contar sobre todos os assuntos que falamos na festinha (música, comida e bebida muito boa por sinal) ou de todas as pessoas e fatos dignos de serem citados, mas de uma coisa eu estou à fim de falar justamente porque virou moda na América do Norte e Europa, e deve estar chegando no Brasil. Mas quero frisar que não é porque pesquisei o assunto que eu seria partidária desta teoria. Em todo caso, à cada um de escolher o seu campo, mas na minha humilde opinião, sedutora à primeira vista, ela [a teoria em questão] se tornou demais pop à ponto que algumas pessoas coloquem uma carga 'espiritualista', sem falar no número cada vez maior de pseudo-terapeutas e charlatães que surgiram em consequência. Aí está o perigo.
Vai o texto aí embaixo:

Minha tetravó, Antônia Teodora de São José (? -1881).
Fazenda Oliveira, comarca do Rio das Mortes, MG.
Foto do provável batizado de meu trisavô, Antônio, em 1840.


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A Psico-genealogia
Escrito por Katia S.


Englobando um número grande de teorias e escolas de pensamento, a psico-genealogia tem na Dra. Anne Ancelin Schützenberger uma das figuras de proa. Antiga colaboradora de Jacques Lacan e de Françoise Dolto [1], ela é professora emérita da Universidade de Nice, onde dirigiu durante mais de vinte anos o Laboratório de Psicologia Social e Clínica.
Segundo a psico-genealogia, nós legamos à nossos filhos, além de nossos cromossomas, nossos sofrimentos emocionais assim como os dos nossos antepassados. Juntamente com o Inconsciente Coletivo [2], um outro conceito prisado pela teoria da psico-genealogia é a Lealdade Familiar Invisível [3], e que está intimamente ligado ao conceito de justiça familiar. Segundo esta teoria, repetir os mesmos fatos, datas ou idades que fizeram a novela familiar da nossa linhagem é uma maneira para nós de, à nível inconsciente, honrar os nossos antepassados e viver em lealdade com eles; assim, cada família manteria uma contabilidade subjetiva daquilo que cada membro deu e recebeu no passado e no presente, e do que dará e receberá no futuro. Haveria assim, em cada família, regras de lealdade e um sistema de contabilidade inconscientes que fixariam o lugar, o papel e as obrigações familiares de cada membro. Estas regras de lealdade são chamadas de ‘invisíveis’ porque são inconscientes. As Lealdades Invisiveis seriam, entre outras, a causa de atos ou situações que obrigariam as pessoas à não depassarem seus pais à nível social ou intelectual. [4]

Esta necessidade de contabilização é frequentemente transgeneracional, quer dizer, passa de geração à geração: "o que recebemos de nossos pais, nós devolvemos à nossos filhos". A pessoa que de forma inconsciente herdou a mensagem que lhe diz que um código moral familiar não foi respeitado corre o risco de carregar consigo uma dívida inconsciente e de transmití-la aos seus descendentes em várias gerações. Um exemplo seria a morte do ator Brandon Lee durante uma filmagem, causada por uma bala esquecida num revólver que não deveria estar carregado. Ora, vinte anos antes deste acidente, seu pai, o célebre Bruce Lee, tinha morrido em plena filmagem de uma hemorragie cérebral, durante uma cena aonde desempenhava o papel de um personagem que iria morrer acidentalmente por um revólver que não deveria estar carregado!

Nosso inconsciente seria literalmente leal à nossa história familiar e em certas famílias pode-se observar o que é chamado de Síndrome do Aniversário (eventos que se repetem em datas cíclicas) se repetir sob a forma de doenças, mortes, abortos espontâneos ou acidentes sobre três, quatro, cinco, às vezes oito gerações!

Mas existiria uma razão obscura par este comportameno repetitivo. Podemos obervar em qualquer árvore genealógica a ocorrência de mortes violentas, adultérios, histórias secretas, crianças ilegítimas, alcolismo, etc., que são coisas que esconde-se, feridas secretas que não se quer mostrar. Ora, o que se passa quando, por vergonha, ou por espírito de conveniência, não falamos sobre o incesto, sobre a morte suspeita, sobre as falências? O silêncio que foi feito criará uma zona obscura na memória de um dos membros da família que, para preencher a falta e eliminar as lacunas, irá repetir no seu corpo ou na sua existência o drama que tenta-se esconder. Mas esta repetição não é causada porque o indivíduo em questão sabe algo desta vergonha familiar ou porque ele ouviu algo sobre o parente caído em desgraça. A vergonha não tem nenhuma necessidade de ser invocada para ultrapassar a barreira das gerações e vir perturbar um ligamento da família.

Uma hipótese para esta transmissão seria uma comunicação directa de inconsciente à inconsciente, à que Freud fez referência em Totem e Tabu, segundo a Dra. Ancelin Schützenberger; Freud evocou a possibilité de uma "alma coletiva" para tentar explicar a transmissão do inconsciente de uma pessoa ao inconsciente de uma outra :"Postulamos a existência de uma alma coletiva (...) [e a possibilidade que] um sentimento poderia se transmitir de geração em geração unido à uma falta (a qual) os seres humanos não têm mais consciência e nem a mínima lembrança (Totem e Tabu, 1913).

Existe uma outra hipótese, que complementa esta primeira, de que a mãe possa transmitir para o filho todas as imagens do inconsciente materno e estas poderiam impressionar a memória da criança que vai nascer, criando um canal para as imagens ou segredos de família que passariam de uma geração à outra através da unidade mãe/filho.

Ainda, segundo a psico-genealogia, a boa notícia é que este ciclo repetitivo pode ser evitado através da conscientisação do processo. Se a origem do mal está próxima da consciência, visualizar a árvore genealógica e tomar conhecimento da repetição pode ser suficiente para liberar o paciente do peso das lealdades familiares inconscientes.


Notas:
[1] Jacques Lacan (1901-1980) foi o seguidor que mais contribuiu e deu continuidade à obra de Freud; formou-se em medicina, atuando como neurologista. Lacan utilizou conhecimentos da lingüística, a lógica matemática e a topologia em seus trabalhos, e mostrou que o inconsciente se estrutura como a linguagem. Quanto à Françoise Dolto (1908-1988), seu gênio consistiu em levar os limites da intervenção psicanalítica até o primeiro dia de vida da criança, sugerindo aos pais que falassem com a criança de tudo o que lhes dissesse respeito, de "falar a verdade" desde o nascimento. Segundo ela, o pior para um ser humano é o que fica privado de sentido: o que não passou pela linguagem.

[2] Segundo Jung, o inconsciente coletivo subentende-se uma certa heriditariedade, mas no seu livro Psicologia do Inconsciente (1913), ele complementa: "não afirmo de modo algum a transmissão hereditária de representações, mas únicamente a transmissão hereditária da capacidade de evocar tal ou tal elemento do património representativo". No mesmo ano, 1913, em Totem e Tabu, Freud escrevia: “Em particular, supus que o sentimento de culpa por uma determinada ação persistiu por muitos milhares de anos e tem permanecido operativo em gerações que não poderiam ter tido conhecimento dela".
[3] Conceito desenvolvido pelos psicoanalistas Ivan Boszormenyi-Nagy e Geraldine Spark, em 1973.
[4] Anne Ancelin cita um exemplo, tirado do livro La Névrose de classe (1987) do sociólogo Vincent de Gauléjac, no qual um jovem não passa nos exames universitarios inconscientemente para não ultrapassar o estatuto social dos seus pais.

K.
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March 08, 2006

Oito de março: Dia Internacional da Mulher

Oito de março: Dia Internacional da Mulher


Judith cortando a cabeça de Holofernes, 1612-21; Galleria degli Uffizi, Florença.

Cliquem em cima da imagem p/ agrandí-la, mas antes leiam o que se segue:historiadores da arte viram que em realidade a composição descreve uma mulher em trabalho de parto. Os braços do homem (Holofernes) seriam em realidade, as pernas da mulher, e a cabeça seria a cabeça do bebê nascendo. Sangrenta e violenta, a imagem reflete um desejo de vingança; seria o terror de Artemísia quando foi violentada aos 17 anos. Nela, Artemísia decepa a cabeça do homem com a mesma espada que simbolicamente lhe transpassou a vagina.

Foi em 1989 que eu tive contato com o trabalho da italiana Artemísia Gentileschi (1593/1653), uma pintora considerada por historiadores como um mestre. Por amar a arte e querer progredir na pintura, ela pagou um alto preço pois na época era raríssimo que uma mulher, sobretudo jovem e bela, ousasse querer aprender uma arte que era exclusivamente seguida por homens. Filha do pintor Orazio Gentileschi, Artemísia foi violentada aos 17 anos por Agostino Tassi, com quem ela estudava pintura, e o processo deste crime foi uma prova traumatizante para ela que foi catalogada de ninfomaníaca e adúltera (Tassi era casado).
Para alguns, uma análise psico-histórica de seu trabalho, nos leva à conclusão que ela se sentia ameaçada sendo uma mulher no meio de uma cultura artística e social misógena e dominada por homens. Mas isso não a impediu de continuar progredindo em sua arte.

Influenciada pela pintura muitas vezes dita ‘tenebrosa’ do grande Caravaggio, Artemísia Gentileschi previlegiava nas suas composições a representação de mulheres fortes e que ousavam se rebelar contra uma certa mentalidade patriarcal, tais como Bathsheba, Cleópatra e Judith, esta última representada cortando a cabeça de Holofernes. Algums estudiosos de sua obra falam da descrição que ela fez, através de suas pinturas, das violências que as mulheres sofriam, como o parto doloroso e sanguinolento que podemos ver na composição de Judith cortando a cabeça de Holofernes.



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Bárbara Eliodora (1759 - 1819):
Sobre ela: Era filha de um advogado influente em São João del Rei, teve uma educação bem diferente das moças de seu tempo. Era alfabetizada e, muito jovem ainda, mais ou menos 15 anos, foi morar com o futuro inconfidente, o ouvidor da Vila de São João del Rei, José Ignácio de Alvarenga Peixoto, motivo de escândalo em toda a província. O casamento só foi oficializado depois do nascimento da primeira filha. Em 1789, a família ficou extremamente abalada com a prisão de Alvarenga Peixoto. Em 1792, o inconfidente foi deportado para Angola, onde faleceu meses depois. Ela, então, assumiu os negócios, administrando fazendas, lavras e escravos. Sua filha, Maria Efigênia, chamada pelo pai como princesa do Brasil, faleceu aos 15 anos em decorrência de uma queda de cavalo. Esse fato deixou Bárbara psicologicamente abalada para o resto da vida.

Conselhos a meus filhos
Meninos, eu vou ditar

As regras do bem viver;
Não basta somente ler,
É preciso ponderar,
Que a lição não faz saber,
Quem faz sábios é o pensar.
Neste tormentoso mar
D’ondas de contradições,
Ninguém soletre feições,
Que sempre há de enganar;
Das caras a corações
Há muitas léguas que andar.
Aplicai ao conversar
Todos os cinco sentidos,
Que as paredes têm ouvidos
E também podem falar:
Há bichinhos escondidos,
Que só vivem de escutar.
Quem quer males evitar
Evite-lhe a ocasião
Que os males por si virão,
Sem ninguém os procurar,
E antes que ronque o trovão,
Manda a prudência ferrar.
Não vos deveis enganar
Por amigos, nem amigas,
Rapazes e raparigas
Não sabem mais que asnear;
As conversas e as intrigas
Servem de precipitar.
Sempre vos deixeis guiar
Pelos antigos conselhos,
Que dizem que os ratos velhos
Não há modo de os caçar;
Não batam ferros vermelhos,
Deixem um pouco esfriar.


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O Grupo Corpo

Outro dia, meu amigo Fábio me enviou uma msg dizendo que iria assistir à um espetáculo do Grupo Corpo aqui em Montreal. Aí, eu corri até a Place des Arts e pedi p/ o cara da bilheteria, amabilíssimo, p/ me achar um lugar ao lado do Fábio (como tudo é automatizado, ele tem acesso ao nome das pessoas que compraram cada uma das cadeiras e pelo nome cheguei ao meu amigo). Assim, adorei fazer uma surpresa ao Fábio, pois quando ele chegou eu estava lá linda e loura sentadinha do seu lado. Eu queria ter chegado depois dele p/ que a surpresa fosse maior, mas 2 minutos antes do espetáculo começar o danado ainda não tinha chegado, e eu não queria correr o risco de ficar presa do lado de fora (eles fecham a porta e a gente só entra nos aplausos, o que está certíssimo).
Assim, assistimos ontem à noite à uma dupla programação, Lecuona e Onqotô, do Grupo Corpo, o que foi uma experiência realmente divina. Se alguém tiver a oportunidade de vê-los, não faltem. Sem contar que a música de Onqotô, um trabalho de Caetano Veloso e José Miguel Wisnik, foi especialmente composta p/ celebrar os 30 anos de existência da compagnia de dança. E aquelas vozes lindíssimas me fizeram viver arrepios de emoção. Impressionante. No começo da segunda parte, eu fiquei um pouco apreensiva por causa da música, samba, e fiquei com medo de estar assistindo à um cliché que os franceses adoram, à saber, que brasileiro e samba são sinônimos à qualquer ocasião e em unanimidade. Quer dizer, a coisa pode virar folclore. Mas não, meus receios foram infundados. A música é muito bem feita e a coreografia idem. Os dançarinos são perfeitos, com uma técnica tão clean que parece natural.
Lecuona, então! Eu nunca ouvi e vi com tanto prazer a música cubana em todo seu esplendor.
Não conhecia o trabalho do compositor cubano Ernesto Lecuona e nem dos intérpretes da música, dos quais não sei ainda os nomes, mas foi um grande prazer ouví-los. Um trabalho sobre relações amorosas, dependência no amor, liberdade, sensualidade, enfim, sobre nós, sobre nossa nostalgia, romantismo sobretudo e intrigas amorosas. Sensass! Eu quero voltar p/ revê-los no último dia, a única coisa que me freia é o preço; se eu não tivesse que pagar as minhas aulas de Pilates, a gasolina e o estacionamento que está de mais em mais caro aqui em Montreal, seria uma decisão mais fácil. Vamos ver o que eu decido até lá.



k.
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