Writing, Flying and Huevos Revueltos

September 17, 2005

Missa no Harlem

Amanhã é o batizado do filho de um amigo do maridão, polonês e tão católico quanto o papa. Aí, o maridão chegou em casa dizendo que fomos convidados para a missa e a recepção. Eu logo fui dizendo, em estado de quase choque : - ...mas não sou de missa!

O negócio é que, embore goste muito de igrejas, gosto só para sentar, rezar, meditar, pensar na vida simplesmente, deixar passar o tempo, ou mesmo ficar observando os outros. Enfim, para mim, entrar em igreja é para aproveitar o silêncio do local. Mas também gosto do aspecto teatral de toda a ritualística católica, como por exemplo: chegar no pórtico e, dobrando minimamente um dos joelhos com grâça e elegância, fazer o sinal da cruz e quando sair do recinto, sair de costas fazendo outra vez o Padre Nosso. Isso para mim é o máximo do esplendor!

Finalmente, o que eu gosto mesmo é da intimidade com Deus.

Mas embora não goste de missas nem reuniões religiosas, existe uma exceção: as missas do domingo de Páscoa no Harlem, em Nova Yorque. A última vez que entrei numa igreja p/ assistir missa foi porque estava curiosa p/ conhecer o verdadeiro Godspell. E tudo começou assim: o maridão chega outra vez em casa todo feliz, e desta vez é porque ao invés de reservar o feriado de Páscoa num bairro elegante nos arredores de NY, segundo o combinado em família, ele tinha preferido um Bed & Breakfast no Harlem, propriedade de uma franco-canadense. O bairro, até alguns anos atrás tinha má fama, mas depois que varreram NY e o Central Park da criminalidade, as pessoas começaram a, tranquilamente, invadir o bairro por causa do potencial imobiliário, e porque é o lugar mais perto de Manhattan, que é caríssimo e difícil de encontrar vagas. A intenção dele era não só sentir de perto o espírito do Jazz, do Godspell, do Blues, ou andar pelas mesmas ruas que foram usadas pelos grandes músicos de outrora, mas também respirar o ar do ambiente para sentir o "frêmito do espírito destes grandes mestres!". Ele, se empolgando na poesia do seu próprio palavriado, e eu, inocente como sou, caí nessa ladaínha toda.

O tal do Bed & Breakfast, referência de um colega do trabalho, tinha a fama de "IN", por ser um dos raros, ou talvez único, do bairro e perto das casas de espetáculos e das famosas igrejas aonde à cada domingo, e sobretudo este porque era Páscoa, fervilhava de pessoas de todos os cantos. Embora missa, a reunião era um verdadeiro espetáculo, e os pastores, verdadeiros showsmen.

Fomos p/ NY e entramos logo no Harlem, atrás do B&B. Para começar, sou alérgica à pêlos de animais, e nem bem entrando, dei de cara com um destes gato com jeito de torchão de oficina mecânica, sujo e tão cheio de pêlos que a gente nem via os olhos do pobre coitado (escrevendo isso, eu até pareço ser uma daquelas chatas de nariz empinado, mas juro que não). Imediatamente, fomos ciceroneados por um rapazinho, bonito e muito gentil (gosto muito dos americanos porque, pelo menos os que conheço ou conheci, são generosos, educados, inteligentes, curiosos, com um ótimo senso de humor e sempre prontos p/ festejar) que era a pessoa que fazia tudo no local, desde carregar malas até concertar portas quebradas. O prêdio era um sonho, no que se refere à arquitetura histórica, pois antiquíssimo, ainda do tempo em que o bairro era habitado por ricos comerciantes holandeses. O negócio é que eles estavam recuperando o edifício, que devia ter sido desabitado por muito tempo, e o resultado foi que eu tinha que tomar meu banho num banheiro minúsculo (imagino que antigamente, os banheiros eram fora das casas, e aquele espaço deve ter sido um armário na planta original...), com a menor banheira que vi na minha vida, suja, com um cano quebrado sevindo de chuveiro, cheio de buracos e a privada não tinha nem tampa. O quarto era grande, e como o banheiro, parecia que tinha sobrevivido à um furação.

O pior é que era tarde demais p/ reservar em outro lugar, pois a cidade estava lotada de turistas e mesmo em Manhatan, nos hotéis caros e –íssimos, não conseguimos vaga. E para completar o quadro, acordei no dia seguinte com minha orelha esquerda inchada, quer dizer, mais do que inchada. Ela tinha crescido três vezes mais do que o tamanho normal! Eu nunca tinha visto um orelhão daqueles e fiquei preocupadíssima porque a orelha só ia crescendo, coçava muito mas não doía felizmente, mas ia despelando toda. Uma coisa incrível!

Quando comecei a conjecturar sobre a possibilidade de ter sido um rato que passou em cima de mim durante a noite, fiquei mais preocupada ainda, mas logo que saímos para a rua, acabei deixando este fato de lado p/ aproveitar o momento porque, embora tenha chovido e as ruas estivessem molhadas, o dia estava muito bonito e os habitantes do Harlem sempre corteses. Foi muito bom mesmo. A missa, ou melhor, as missas porque assistimos três (é claro que não ficamos durante todo o serviço), são verdadeiros espetáculos de improvisação, e estão entre as experiências inesquecíveis que já assisti, não só por causa dos corais, mas do próprio público que participava e sobretudo dos pastores e dos auxiliares destes que dançavam, gritavam, cantavam, riam um dos outros, entravam em êxtase; era uma mistura de teatro e de festa.

Não me recordo mais de quantos dias ficamos, mas não foi muito porque depois de conhecer bem o bairro, passear bastante nos arredores, nós resolvemos pegar a estrada e voltar p/ Montréal antes do tempo porque não dava p/ passar várias noites no tal lugar. NY estava vazia e chuvosa.

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