Writing, Flying and Huevos Revueltos

September 24, 2006

Thomas Mann e a aranha do quadro do Klint

Esta manhã, eu estava justamente conversando com o Ciro sobre um assunto relacionado com a frase do Khalil Gibran que a Valdelice me enviou, a do post anterior: alguns dias depois de ter voltado de um retiro Vipassana de silêncio, 10 dias meditando 10 à 12 horas por dias, eu acordei uma manhã e abrindo os olhos vi na parede algo brilhante e magnífico, pronto à entrar atrás do meu poster de Gustav Klint. Foi uma parada do tempo. Um silêncio que pareceu durar uma eternidade. Ou simplesmente nada. -é nestas horas que nós percebemos que o tempo não existe realmente, embora nunca poderemos voltar atrás ...-. Ora, petrificada pela beleza do que eu via, não percebi logo que o objeto brilhante era uma aranha, inseto pequeno e que normalmente achava feio e ao qual eu normalmente dedicava um total desprezo devido à sua pequenez, à sua feiúra e à sua qualidade de inseto. Mas naquele momento, acordando, eu só percebi as luzes. Firmando a vista, abrindo mais os olhos e tomando consciência de que eu não estava sonhando, eu pude perceber algo nela que modificou totalmente a forma com que olho não só os insetos mas como procuro ver o mundo em geral. Em volta dela havia linhas brilhantes que a faziam parecer uma pedra preciosa, suas longas pernas eram fios em ouro, de uma elegância que eu nunca poderia suspeitar.

Foi uma das imagens mais lindas que eu já vi, e portanto era uma aranha, destas de longas pernas e que se escondem com rapidez quando percebem nossa presença. A beleza do inseto primeiro fez nascer em mim uma admiração. Eu fiquei profundamente tocada; era algo espiritual. Através desta visão eu pude entender a atração que jóias e brilhos têm em geral p/ os seres humanos: existe uma relação entre o espírito e linhas brilhantes sutis que nos 'encerclam'. Somos seres brilhantes, luminosos e belos. E tudo o que nos lembra este estado, nos atrai.

Eu já tinha percebido também, durante retiros intensivos de meditação e de silêncio, que nós temos, perto da superfície externa da nossa pele, linhas extremamente sutis e que repetem ad infinitum uma ornamentação parecida com motivos utilizados nos anos vinte - parecidos com folhas e flores-, ou certos motivos parecidos com uma gota de água vista num microscópio ou de uma gota de água que se gelifica na janela. Mas em forma extremamante sutil e viva, transparente, finíssima, dinâmica e elegante. São formas que se recriam sem parar, com muita elegância e rapidez, formando eternamente formas belas. Nós todos somos encerclados po restas linhas, numa espécie de dança; elas estão sempre se transformando e se auto-criando, como se fosem plantas vivas dançando eternamente.
Todo o seu movimento lembra realmente de uma dança sutil, dinâmica, extremamente elegante.
Acho que são as mesmas linhas vistas no inseto, ou bem parecidas, mas a diferença é que as do inseto eu não vi meditando, mas estando simplesmente presente no momento.

A experiência da meditação me mostrou que uma grande parte do mundo é completamente ignorada por nós, mas que existe realmente embora não possamos percebê-la à todo momento. Sei que pude perceber toda esta beleza por causa da meditação, que me ajudou à acalmar meu espírito e retirar grande parte de um véu que encobre meus olhos. Mas mesmo se esta visão da beleza pura foi rápida, e embora eu não possa percebê-la todo o tempo, existe dentro de mim o conhecimento da existência dela, nascido da experiência do silêncio e da auto-observação.

Isso me faz lembrar de uma frase de Thomas Mann no filme Morte em Veneza: "A visão da beleza pura é o prenúncio da morte próxima". Eu tinha quatorze anos quando a ouvi mas a minha alma já velha de tanta dor sentiu esta compreensão silenciosa do que nos passa como uma corrente; não me recordo se a frase foi literalmente esta, mas foi a que ficou no meu espírito e depois de tê-la arquivada na minha memória durante todos estes anos, eu nunca pude deixar de constatar o quanto é verdadeira.