Writing, Flying and Huevos Revueltos

October 02, 2005

"O Silêncio do Mar", de Pierre Boutron





"Aprendi neste dia que uma mão pode, para quem sabe observar, refletir emoções tanto quanto o rosto, - tão bem e melhor que um rosto porque ela escapa mais facilmente ao contrôle da vontade."
VERCORS (Jean Bruller), Le silence de la mer, Albin Michel, Paris, 1952[1942].

Não adianta... tenho que dizer isso em português também porque comentei com amigos no Brasil e preciso esclarecer minha opinião. O filme de Pierre Boutron "O Silêncio do Mar" -apresentado por Eurochannel e TV5-, é uma genuína maravilha cinematográfica.

Adaptação de duas novelas de Vercors, o filme nos deixa uma lembrança durável não só pelo trabalho dos atores. Assisti-o na sua versão original, mas p/ quem não conhece o francês, não vejo outra forma de vê-lo que com subtítulos, esperando que a tradução seja feita por un conhecedor da obra do escritor. Deus queira que este filme NUNCA venha a ser dublado -o que seria certamente uma catástrofe-. Como ouvir o trabalho de Thomas Jouannet em alemão francófilo sendo transportado p/ uma outra língua?! Enfim, deixem-lhe o sotaque, mesmo se não der p/ entender nada, pois só assim a emoção que nos forneceu o grande jogo do ator será perceptível através da sua voz; os silêncios, assim como a voz trêmula da espera na emoção contida e a ondulação do sotaque alemão do oficial é essencial na história. Subtítulos, é a única solução!

Julie Delarme, no papel de Jeanne, recebeu vários prêmios por este seu primeiro trabalho num filme, mas é sobretudo Thomas Jouannet incarnando Werner, e no qual ele conseguiu insuflar uma profundidade perfeita e quase matemática, que nós compreendemos -captando a sensibilidade detrás de impercepitíveis olhares e gestos- o verdadeiro espírito da história.

Em todo caso, voilà l’histoire:
Num vilage francês, durante a Ocupação alemã, un oficial alemão francófilo requisita a casa de um velho e sua neta, todos dois apaixonados por música e literatura. Nós seremos assim de pouco à pouco introduzidos numa relação que vai se construindo através do silêncio resistente do avô e da neta face ao inimigo alemão que é portanto um esteta e como eles, músico. Ao desprezo dos dois ele responderá com uma perseverante e autêntica fome de belos sentimentos revelando em monólogos toda a nobreza de sua alma e suas indagações profundas e íntimas. Werner é um espírito que procura num mundo devastado pela ruína o contato de outros espíritos que ele sabe seus iguais e que, na sua tenacidade em quebrar este mutismo implacável, vai iniciar uma relação sustentada por seus próprios monólogos mas cuja intensidade dramática nos fará submergir no cotidiano complexo que vai sendo construído através de olhares, silêncios, gestos sutis, esperas e fascínios mútuos e contidos. Por patriotismo eles decidiram odiar este homem que apesar de representar o inimigo vai acariciar suas almas com afetuosos toques de humanismo.

Desligaremos a tevê e deixaremos o salão refletindo sobre a condição humana. Triste, a história contada nos ajuda a entender o quanto é raro o encontro de outros seres que se parecem conosco e graças aos quais nos surge o natural desejo de fusão, mas este contato entre seres que se complementam é fatalmente destruído pela insanidade do mundo exterior, no caso do filme o preconceito e a guerra. A existência de barreiras entre seres prontos à se comunicar, estabelecidas fora de suas vontades, é uma grande perda. É o senso do trágico da história.

No final, quando Werner von Ebrennac perde todas suas ilusões de um mundo fraternal, surgem as primeiras palavras que lhe são adressadas : -Entre, senhor… e mesmo sendo tarde demais ele ainda espera da neta uma palavra que virá num sussurro dilacerado de adeus e ao qual ele responde, ainda, por este pequeno sorriso quase imperceptível no canto da sua boca, os olhos transbordando de profundidade...
-adeus…


Nota: O Silêncio do Mar é uma história curta, publicada em 1942. O tele-filme, que está recebendo vários prêmios e com uma notoriedade de mais em mais presente, foi realizado com mãos de mestre por Pierre Boutron em 2004, escrito à partir de duas novelas de Vercors : "Le silence de la mer" e "Ce jour-là". Uma só questão: porquê um filme deste nível não pôde ser levado às grandes telas dos cinemas?

4 comments:

  1. Gostei muito deste filme, eu o vi quatro vezes, mas sempre fico pensando na cena simbolica do final(vaso de flores brancas) Gostaria de saber qual o significado possivel do final para voce que escreveu tao poeticamente sobre este filme maravilhoso.
    Por favor de sua interpretação.
    Um abraço
    suely

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  2. nossa!!!! faz tanto tempo q eu vou ter q rever o filme, mas em geral o q posso dizer que o filme fala sobre o amor em geral e sobre a aceitacao dos individuos entre si. Engana-se quem pensa q é uma simples historia de amor. os personagens amam a humanidade que eles tem; nao é um amor entre um homeme e uma mulher, mas entre seres q se complementam e se reconhecem como capazes de belezas extremas, mas infelizmentes, presos num mundo sordido, aonde eles mesmos sao capazes de coisas extremas.

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  3. extremas, lugubres, belas... terriveis e maravilhosas.

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  4. vamos la, como eu disse eu vou ter que rever, mas as flores brancas é a paz, e realmente, o escritor foi um soldado frances durante a guerra e ele defendia muito a necessidade de se procurar um entendimento antes de qualquer coisa, isso à niveu individual mesmo. Imagino q é um simbolismo para relacionar a paz e a fragilidade das flores.

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Un peu de retenu, SVP! LOL :))